domingo, 29 de agosto de 2010

O Jazz e as Cidades


A idéia era escrever uma retórica sobre como a afirmação seguinte me deixou de certa forma indignada: Jazz me lembra um velho intelectual, ou melhor, metido a intelectual, que pede uma pizza borrachuda, liga o som e toma um vinho; e ainda quer me convencer de que é feliz assim. Não posso ignorar que de fato, jazz lembra alguém tomando vinho, curtindo uma solidão ou algo parecido com isso. A retórica defenderia as pessoas que sabem conviver bem com a solidão, e que até almejam a solidão pontual desde que não estejam condicionadas a ela. E convenhamos que se fosse este o caso, e escolhessem o vinho, a pizza e o jazz como companhia, teriam feito o que me parece uma boa escolha.

Depois de um tempo, pareceu que a retórica era desnecessária, afinal, todo mundo sabe que gosto é gosto, que muitas vezes é bom estar sozinho, que ficar sozinho pra sempre deve ser chato, e que provavelmente a solidão crônica te transformaria num chato intolerante, que se tornaria intolerável, alguma coisa muito parecida com aquele personagem do Jack Nicholson que fica com a Ellen Hunt no final de Melhor é Impossível. Sim, ele também ganhou um Oscar por este filme, como era de se imaginar.

Mas então, se não houvesse mais retórica, eu não teria sobre o que escrever. Então pareceu conveniente começar o texto por ela. Porém, na verdade, se o objetivo é falar a minha opinião sobre o assunto, jazz não me lembra solidão. Jazz me lembra cinema, chapéus, Frank Sinatra, New Orleans, maturidade e bossa nova, é claro.

Muito pessoalmente (muito mesmo) jazz me lembra liberdade, sensação de sonhos se realizando. Foi há pouco tempo quando ouvi Nina Simone na rádio Alfa, dentro de um taxi que eu pensei: eu poderia gostar muito disso, vou começar a ouvir jazz. Engraçado, eu nunca tinha parado pra pensar nisso, embora sempre tenha me divertido ouvindo Ray Charles ou Madeleine Peyroux. Até em festivais de jazz eu já fui mais de uma vez, mas foi só neste dia, com sono e cansada no taxi, eu achei que seria interessante comprar um cd de jazz e curti-lo da maneira mais adequada possível (acredito que seja cozinhando, tenho isso comigo... cozinhar ao som de jazz parece uma boa pedida).

Claro, a última afirmação parece bastante retrógada, e qualquer um diria que alguém que pensa em comprar CDs, ao invés de usar algum descendente do Napster para puxar as músicas desejadas, é estranho, ou tem cinqüenta anos. E eu só tenho metade disto. Mas a sensação de comprar um cd, escutar dentro da loja, escolher cuidadosamente, e manter aquela caixinha, que muitas vezes é uma obra de arte, junto com a sua coleção de livros, DVDs e discos, é incomparável.

Ocorre que com este objetivo em mente, numa sexta feira exaustiva, passei na Livraria Cultura e pedi ajuda sobre os melhores CDs de jazz que eu poderia comprar. Tremendamente fantástico ficar ouvindo de Ella Fitzgerald a John Pizzareli num dos lugares mais agradáveis desta cidade.

Então, de repente, a liberdade de escolher um cd de jazz, voltar para casa e abrir um vinho ouvindo os CDs escolhidos têm um significado especial. É um destes momentos onde você para e pensa que as coisas estão exatamente onde deveriam estar.

E as cidades? Pra explicar isso melhor, vou precisar mudar um pouco de assunto. Falarei (e recomendarei) o filme Manhatan, do Woody Allen, que começa com o protagonista tentando escrever um livro sobre um homem que ama a cidade de Nova York. Em uma das tentativas, ele é genial: He was too romantic about NYC, as he was about everything else.

E por eu ser tão romântica sobre São Paulo, alguma coisa me faz crer que se eu estivesse em outro lugar, eu não teria a chance de passar por todo o processo de escolha, compra e entretenimento com o tal CD jazz que remete à tal liberdade sobre a qual eu falava em alguns parágrafos atrás.

Então o jazz deixa de ser uma questão de idade, e passa a virar questão de cidade. Porque na minha experiência com as cidades, em algumas cidades, com a minha idade você não teria a chance de curtir jazz. Nem em qualquer emissora de rádio, nem em qualquer loja de discos. Parece radical, mas é verdade; é verdade para mim.

E enquanto eu puder escolher ouvir jazz e ler um bom livro, comendo uma pizza e tomando vinho sozinha, numa sexta feira à noite, eu vou continuar acreditando que estou morando no melhor lugar do mundo.

3 comentários:

  1. Caipira na cidade grande...
    hehehe

    Bjo, Bruno.

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  2. Ella Fitzgerald no som do meu carro, seja no trânsito, seja na estrada livre voltando pra minha cidade, que não é São Paulo... é meu CD escondido, gravado via RealPlayer... eu canto imaginando ser a partner de Luois Armstrong.. sem ninguém ver, sem ninguém saber.. sem ninguém ouvir a desafinação total.. rsrsrsrsr..

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  3. Olá Helo,
    Espero que esteja bem... digo isto por que eu li seu ultimo post (30 de Ago, 2011) e já fez um ano. Muita coisa pode acontecer pra explicar o porque q vc parou de blogar: qualquer que seja o motivo quero crer q foi uma escolha sua e que vc esta bem e feliz. Talvez com sua bicicleta.

    Porém quero apenas concordar que seu texto sobre a experência única entre o Jazz - A Pessoa - e a Cidade, é realmente tudo que vc pos em letras e palavras. Gostei demais e explica muito bem como me sinto. Especialmente hoje!

    Mais uma vez, Cheers! á você e sua saude e felicidade; não lhe conheço mas sua foto demonstra uma simplicidade e sofisticação unidas na mesma pessoa! Como ouvi uma vez:
    "Greetings... and Godspeed"
    - Seu Amigo Anonimo - Weverton Lima.
    http://www.facebook.com/faceb00k.wevertonlima/

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