domingo, 28 de agosto de 2011

Meu fabuloso destino com a Amélie...


























Prefácio: É oficial, não é mais possível me imaginar sem a minha bicicleta.



Capítulo 1


Com menos de uma semana de vida, a Amélie passou dois dias e meio aguardando um pedal novo, vendo o mundo de dentro do seu cantinho da sacada. Parece história de filme de comédia, mas até pra arrumar seu pedalzinho, ela passou por apuros.


Tudo começou quando eu e o Gui, que ofereceu a carona amiga, tentamos colocar a Amélie dentro do carro. Primeiro, parecia que não ia caber, então o Gui tentou tirar a roda da frente. A gente não teve muito sucesso, e uma molinha bem pequena e quase invisível saltou de dentro do que eu chamo de “parafusinho preto” que conecta a roda, o eixo, o amortecedor e tudo aquilo que eu AINDA não sei o nome. Em busca da molinha, com o carro parado em frente à entrada da garagem do prédio, “relaxa Gui, ninguém vai entrar nesta garagem na hora do almoço”, mobilizamos a única família que resolveu, sim, usar a garagem na hora do almoço, e o porteiro também. Poderia até ser que o Murphy tenha enviado a família naquele momento de relativa tensão, mas na realidade aconteceu um destes eventos onde é inevitável proclamar o clichê: “Mas que mundo pequeno!”. A família tratava-se de um casal de um brasileiro e uma italiana, e suas filhas. A italiana é amiga da irmã do Gui, e morou na Holanda na mesma época que a família dele morou. Hoje eles moram no mesmo prédio que eu, e a Amélie, moramos. O que significa que a minha bicicleta ganhou mais simpatizantes, e nós ganhamos mais ajuda para achar a pequena mola fugitiva. O mundo pode até ser minúsculo, mas eu não tenho dúvidas de que as bicicletas encurtam ainda mais as distâncias, pois têm esse extraordinário talento para reunir pessoas.....quem já pedalou, com certeza me entende.


O porteiro encontrou a molinha, e seguimos rumo a bicicletaria. E durante o caminho, que durou mais de meia hora devido ao trânsito congestionado no minhocão e na Matarazzo (sem preconceitos, apenas um comentário aleatório), a corrente da marcha caiu. Mas deu tudo certo, colocaram pedais novos na Amélie, consertaram a corrente, e na volta do conserto ela caiu de novo.


Eis a cena: Uma menina de roupa social (Por que justo hoje eu escolhi esta blusa branca?!), arrumando a corrente com as mãos cheia de graxa com a bike encostada num muro de uma casinha cheia de plantas. Até hoje eu não sei como aconteceu, mas de uma maneira muito misteriosa, girei o guidon em 360 graus, sem perceber (?!?!) e estraguei o freio da roda da frente. Como os freios de trás ainda funcionavam, e a corrente estava aparentemente no lugar certo, continuei pedalando até a empresa onde pedi a ajuda do bikeanjo/mecânico da Amélie.


Foi quando eu descobri que pedalei 20 minutos com o guidon girado. E consertamos o freio da frente temporariamente com uma gambiarra que eu não conseguiria explicar com palavras neste texto. E finalmente (acho até que ouvi som de tambores a rufar), a Amélie estava pronta para continuar suas pedaladas paulistanas, e eu estava começando a pensar em comprar um destes colares que estão na moda, que vêm com uma pitadinha de sal grosso.



Capítulo 2


A minha emoção com as primeiras pedaladas tiveram uma repercussão que eu nunca esperei. Algumas pessoas se identificaram, outras até disseram que se inspiraram. Sinceramente, é muito orgulho ouvir qualquer tipo de comentário sobre este assunto, não tem como não lembrar das mensagens que recebi aprovando e incentivando o meu novo projeto de vida e não abrir um sorrisão, no rosto, e um invisível que vem de dentro do coração. E a cada mensagem e comentário sobre o meu texto, mais vão fazendo sentido para mim as palavras sobre querer me tornar uma destas pessoas.


Além da alegria, veio o alivio. Toda a minha família, que agora está moderna e faz parte das redes sociais, leu o meu texto via facebook, e contrariando as minhas expectativas, se embalaram na minha emoção. As pedaladas foram aprovadas até por aqueles que mais têm medo de me ver levando tombos (literal e metaforicamente), meus pais. Aliás, os dois ficaram tão felizes por mim, que me senti mal de ter desconfiado que poderia acontecer o contrário. As titias também adoraram a minha história e na família inteira, todos já ouviram falar da Amélie, alguns até vieram até São Paulo e tiveram o prazer de conhecer “a boneca”.


Quem mais me impressionou com a sua sensibilidade foi a Tata, que me encorajou a escrever mais sobre o assunto. Me disse que eu poderia ser lembrada no futuro por escrever “crônicas” desta minha nova realidade, que representa todo um anseio da minha geração por uma cidade melhor para todos, numa nobre luta por mudanças. Por ela, eu tive coragem de continuar escrevendo sobre o assunto. Que fique claro, não para ser lembrada, mas para fazer parte da luta por uma cidade melhor para todos, e na esperança de incentivar mudanças. Nós, geminianos natos, adoramos e incentivamos as mudanças, especialmente estas que fazem você se revigorar e se sentir mais vivo.


Capítulo 3


Eu estou começando a entender melhor minha bicicleta, e nós duas, estamos aprendendo melhor nossa cidade. Não temos mais medo do trânsito, e começamos a lutar pelo nosso espaço e pela convivência coletiva.


Alguns motoristas são chatinhos, e buzinam irritados. A gente manda um bom dia para eles. Felizmente, o desprazer do fom fom dos mal humorados dura no máximo 10 segundos, ou o tempo para você repetir mentalmente “seu bobo”; mas ontem ao terminar a subida mais intensa do meu caminho trabalho-casa, um motorista sorridente me chamou: “Moça (só sorrisos!) olha lá meu adesivo no carro atrás”e me deparei com o famoso “Ciclista na Via, é lei, dê preferência” em cor laranja berrante em contraste com o fundo preto do carro. Agradeci e sorri feliz. E até agora não esqueci a boa sensação que ele me passou. Pois é motorista mal humorado, sinto informar, mas perdeu playboy.


Participamos do Mão na Roda, a oficina voluntária do Ciclocidade que ensina o ciclista a consertar tudo e mais um pouco, e no nosso caso, nos ajudou muito a encontrarmos as melhores combinações das marchas. E mais importante, a oficina está lá cheia de pessoas, estas pessoas sorridentes, pacientes, inteligentes, que estão dispostas a te ajudar o máximo possível para que você continue tendo o prazer de pedalar. Agora o freio da Amélie não é mais feito de gambiarras.


Também percebemos que tem muito mais ciclista no mundo do que poderíamos imaginar, os que já são e todos aqueles que ainda serão. Quando você começa a prestar atenção e quando toca no assunto, percebe que tanta gente já pedala, ou gostaria de pedalar. Neste Sábado mesmo falei com o maior orgulho do bikeanjo para a coordenadora da atividade voluntária da minha empresa que disse que acabou de comprar a bicicleta mas ainda estava com medo de enfrentar o trânsito para ir trabalhar. Eu falei como se fosse tão experiente, que chega a ser engraçado, mas ela sorriu de alegria ao saber que era mais fácil do que ela pensava realizar este novo plano.


No último mês, eu e a Amélie conhecemos a Vila Madalena sobre duas rodas, descobrimos a importância do paralamas em dias de chuvas, fomos jogar sinuca enfrentando as subidas da Pompéia, conhecemos novos bikeanjos, exploramos novas e maiores subidas (hoje em dia, faço as aulas da academia pensando num único objetivo: melhorar minha resistência em toda e qualquer subida), já fomos até para o bar especial meu e da Paulinha na rua Augusta (onde a Amélie abraçou sua primeira árvore e fez um social na frente da entrada do bar, junto com as pessoas que estavam esperando pra entrar), sonhamos sobre como ela vai ficar bonita com seus alforges e sua cestinha, e o mais especial de tudo, a Amélie se emocionou com a sua primeira bicicletada. Mais uma vez centenas de ciclistas juntos, jovens, crianças, experientes, inexperientes, turistas, paulistanos, tímidos, extrovertidos, sérios, elegantes, alternativos, interioranos, brincalhões, animados, ousados, cautelosos, e até cachorrinhos ciclistas, enfim, todos diferentes e iguais, e pedalando por menos motor, mais amor, menos gasolina mais adrenalina, e menos carros e mais, muito muito mais bicicletas.


Com tanta alegria que esta bicicleta tem trazido para minha vida, caro leitor, não poderei lhes apresentar nenhum capítulo final....


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